1. Introdução
O agronegócio brasileiro ocupa posição de destaque no cenário mundial, sendo responsável por safras recordes e participação expressiva nas exportações nacionais. Esse protagonismo, entretanto, convive com um cenário de crescente inadimplência e de intensificação da judicialização das relações financeiras.
Segundo levantamento do Monitor RGF, apenas no segundo trimestre de 2025, 388 (trezentos e oitenta e oito) empresas agropecuárias ingressaram com pedidos de recuperação judicial, o que representa um aumento de quase 60% (sessenta por cento) em comparação ao mesmo período do ano anterior. Atualmente, a cada mil empresas do setor, aproximadamente 11,5 (onze e meio) encontram-se em recuperação judicial — o maior índice de toda a economia Brasileira.
Diante desse panorama, a recuperação de crédito torna-se ferramenta imprescindível para a preservação da saúde financeira das empresas rurais e da confiança dos agentes financiadores, exigindo análise estratégica sob o prisma jurídico.
**2. Recuperação de Crédito: Instrumento de Estabilidade no Setor Rural **
A Lei nº 11.101/2005, ao disciplinar a recuperação judicial e extrajudicial, busca conciliar dois objetivos fundamentais: (i) a preservação da atividade empresarial, em atenção à função social da empresa; e (ii) a tutela do crédito, como mecanismo de estímulo à atividade econômica. No contexto do agronegócio, a recuperação de crédito transcende a simples cobrança de valores inadimplidos. Exige-se atuação preventiva, por meio de:
- análise de riscos contratuais;
- estruturação de garantias fiduciárias ou reais sólidas;
- fiscalização do cumprimento contratual;
- adoção tempestiva de medidas judiciais quando constatada a ameaça ao adimplemento.
Trata-se, portanto, de um mecanismo que assegura a continuidade da cadeia produtiva e garante a circulação de recursos no mercado.
3. Panorama Jurisprudencial
A jurisprudência recente evidencia a necessidade de ponderação entre a proteção do produtor rural e a efetividade dos direitos creditórios.
- Tribunal de Justiça do Acre (Processo nº 1001745-23.2025.8.01.0000): reconheceu, com fundamento na Súmula 298 do Superior Tribunal de Justiça, o direito ao alongamento da dívida em razão de eventos climáticos extremos que comprometeram a produção. A decisão suspendeu a cobrança da cédula de crédito rural e impediu a negativação do devedor, garantindo a continuidade da atividade produtiva.
- Tribunal de Justiça de São Paulo (Recurso nº 2171658-87.2025.8.26.0000): manteve arresto cautelar de mais de 50 mil sacas de soja dadas em garantia fiduciária, diante de indícios de movimentação irregular da produção, priorizando a proteção do crédito e a segurança do credor.
Esses precedentes demonstram a atuação do Poder Judiciário no equilíbrio entre os interesses contrapostos, ora privilegiando a manutenção da atividade rural, ora reforçando a higidez das garantias creditícias.
**4. Implicações Práticas para Credores e Produtores **
Para os credores, o cenário impõe a necessidade de acompanhamento permanente das garantias e de rápida atuação diante de sinais de inadimplência, a fim de evitar a frustração do crédito.
Já para os produtores, revela-se essencial a adoção de medidas de renegociação legalmente previstas, aliadas à transparência na relação com financiadores, a fim de preservar a viabilidade da atividade e evitar medidas mais gravosas, como o arresto ou a execução judicial.
Assim, a recuperação de crédito assume caráter estratégico e preventivo, funcionando como instrumento de mitigação de riscos e de preservação da confiança entre os agentes econômicos.
5. Conclusão
O agronegócio brasileiro, apesar de sua relevância econômica, enfrenta desafios crescentes em matéria de crédito e inadimplência. Nesse contexto, a recuperação de crédito revela-se peça-chave para garantir a estabilidade contratual, a segurança jurídica e a sustentabilidade do setor.
A conjugação de instrumentos legais, a jurisprudência equilibrada e a atuação diligente de credores e produtores constituem elementos indispensáveis para assegurar que os recursos investidos no campo retornem de maneira eficiente. Mais do que resolver litígios, trata-se de fomentar um ambiente de confiança recíproca, condição essencial para a continuidade do crescimento sustentável de um dos setores mais importantes da economia nacional.
Artigo escrito pela **advogada Nathália de Oliveira, **integrante do escritório Pazzoto, Pisciotta & Belo Advogados.
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