É certo que a pessoa jurídica possui existência distinta em relação aos seus sócios, havendo, entre eles, autonomia patrimonial.
Exatamente por esse motivo que, via regra, apenas excepcionalmente, quando existirem elementos indicativos de abuso da personalidade jurídica, a lei autoriza a desconsideração da personalidade jurídica, a fim de que o patrimônio do sócio seja alcançado para responder por dívidas e obrigações da pessoa jurídica.
A desconsideração da personalidade jurídica se apresenta, portanto, como um instrumento de coibição do mau uso da personalidade jurídica.
De acordo com o Código Civil Brasileiro (artigo 50), existe um pressuposto mínimo para que haja a desconstituição da personalidade da pessoa jurídica, qual seja, o abuso da personalidade. Este, por sua vez, se caracteriza por dois requisitos alternativos, o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.
O desvio de finalidade é comumente reconhecido pelo ato intencional dos sócios de tentar fraudar terceiros com o uso indevido da personalidade jurídica; a confusão patrimonial, por seu turno, pela inexistência, na vida prática, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios.
Somente se presentes algum desses requisitos que, a princípio, seria possível a desconsideração da personalidade jurídica, com a consequente responsabilização patrimonial dos sócios.
No entanto, importante salientar que a doutrina reconhece a existência de duas teorias da desconsideração: a teoria maior, que exige a comprovação do abuso da personalidade por parte dos sócios; e a teoria menor, que considera o simples prejuízo do credor como condição suficiente para a desconsideração; esta última é estabelecida pelo Código de Defesa do Consumidor.
Majoritariamente, é aplicada a teoria maior, em que não basta apenas a comprovação do estado de insolvência da pessoa jurídica para que os sócios e administradores sejam responsabilizados, sendo necessária a comprovação do desvio de finalidade ou da confusão patrimonial.
Nesse viés, o Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que, nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, deve ser analisada a potencialidade do proveito, em favor dos sócios, dos atos que acabaram por caracterizar a ilicitude da gestão (REsp 1.325.663-SP, rel. Min. Nancy Andrighi, j. 11.6.13).
A interpretação predominante sobre o tema indica, portanto, que somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica se comprovado o ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial.
E, diante disso, não havendo indícios de fraude, abuso de direito/personalidade ou de confusão patrimonial, a regra é que não seja autorizada a desconsideração da personalidade jurídica, razão pela qual o patrimônio pessoal dos sócios não será alcançado para responder pelas obrigações contraídas pela pessoa jurídica.
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