A Lei n.º 14.151/2021 que determinou o afastamento das gestantes do trabalho presencial foi alterada pela Lei n.º 14.311/2022, que entrou em vigor no dia 10/03/2022. As alterações promovidas possibilitam o retorno desde que a situação se enquadre em hipóteses previamente determinadas nos incisos do art. 1º, §3º:
I - após o encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2;
II - após a vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2, a partir do dia em que o Ministério da Saúde considerar completa a imunização;
III - mediante o exercício de legítima opção individual pela não vacinação contra o coronavírus SARS-CoV-2 que tiver sido disponibilizada, conforme o calendário divulgado pela autoridade de saúde e mediante o termo de responsabilidade.
A primeira hipótese que permite o retorno das gestantes ao trabalho presencial, prevista no art. 1º, §3º, I, da Lei n.º 14.151/2021 é o encerramento do estado de emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do coronavírus SARS-CoV-2, o que não se confunde com estado de calamidade pública. Este último foi reconhecido pelo Decreto Legislativo n.º 6 de 2020, que determinou seus efeitos até 31/12/2020.
A emergência de saúde pública de importância nacional a que se refere a Lei n.º 14.151/2021 foi declarada pela Portaria n.º 188 de 3 de fevereiro de 2020, do Ministério da Saúde e continua em vigor.
A imunização completa a que se refere o art. 1º, §3º, II, da Lei n.º 14.151/2021 está regulada pelo Ministério da Saúde na Nota Técnica n.º 11/2022, que traz uma série de tabelas bastante didáticas e prevê no item 3.6 que o esquema completo de vacinação compreende as doses primárias e a dose de reforço.
Ou seja, o Ministério da Saúde considera a dose de reforço parte integrante do esquema completo de vacinação. No entanto, considerando que ela passou a ser recomendada em razão das pesquisas que demonstraram a queda no índice de imunização após certo decurso de tempo a partir das primeiras doses ou dose única, entendemos que a dose de reforço somente pode ser requisito para o retorno ao trabalho presencial quando alcançado o período em que ela se torna disponível para a gestante.
Em outras palavras, a gestante que ainda não cumpriu o intervalo entre a primeira (no caso da Jansen) ou primeiras doses (demais fabricantes) e a dose adicional, está apta a voltar ao trabalho presencial. Completado o prazo sem que a dose adicional seja ministrada, a gestante deve providenciá-la ou então assinar o termo de responsabilidade que será tratado em tópico a seguir.
O inciso III do §3º do art. 1º da Lei n.º 14.151/2021 trouxe a possibilidade de a gestante não imunizada retornar ao trabalho mediante a assinatura de um termo de responsabilidade, que deverá conter uma declaração de livre consentimento para o exercício do trabalho presencial, bem como o compromisso de cumprir as medidas preventivas adotadas pelo empregador.
O §7º do art. 1º da Lei n.º 14.151/2021 traz a impossibilidade de restrição de direitos a gestantes que optarem pela não vacinação e este ponto merece atenção especial.
a) A não vacinação não pode servir de retaliação à empregada, nem de discriminação. Eventual conduta nesse sentido é geradora de passivo trabalhista e gerar condenação em indenização por danos morais;
b) Há casos em que existe a impossibilidade de vacinação em razão de condições pessoais, o que deve ser feito mediante a apresentação de laudo médico fundamentado. Muito embora o médico do trabalho tenha autonomia para rever atestados trazidos pelos empregados, os casos que impossibilitam a vacinação geralmente decorrem de questões de saúde pré-existentes e demandam um estudo aprofundado sobre a condição do empregado, o que de um modo geral não pode ser feito pelo médio do trabalho por ausência de condições para tanto (acompanhamento prolongado, solicitação de exames etc.);
c) Confronto entre direito individual de não vacinação versus direito da coletividade de ser protegida pelo empregador. A vacina não é obrigatória, mas o incentivo a ela é uma das medidas colocadas pela portaria interministerial n.º 14/2022.
A Presidência da República vetou o dispositivo que previa a responsabilidade do INSS pelo pagamento dos salários das empregadas que devem continuar afastadas das atividades presenciais por não terem completado o ciclo vacinal e não terem condições de realizar trabalho de forma remota.
Inicialmente, devem ser pontuadas algumas críticas ao veto:
a) Foi utilizada como justificativa a impossibilidade de estender o salário-maternidade nesses casos, pois senão haveria desvirtuamento do benefício. No entanto, a hipótese já possui previsão legal no art. 394-A, §3º, da CLT, que trata das gestantes que trabalham em local insalubre sem a possibilidade de alteração de função.
b) Foi mencionada a ausência de orçamento do INSS para arcar com o benefício, mas a justificativa não traz números. Além disso, a vacinação de pessoas com duas doses no Brasil já alcança grande parte da população, razão pela qual a situação de gestante não vacinada por ausência de disponibilidade da vacina até o momento reflete uma minoria, que não causaria o impacto mencionado.
Dessa forma, nos casos em que a gestante não estiver com a vacinação completa e não tiver condições de exerce trabalho remoto, a remuneração deverá continuar a ser custeada pelo empregador.
Há uma lacuna na lei quanto ao assunto. Por uma interpretação literal, entende-se que a gestante, mesmo com comorbidade, deve voltar ao trabalho presencial. No entanto, entendemos que a decisão deve ser pautada em cautela, tendo em vista a obrigação do empregador em fornecer um ambiente de trabalho seguro e saudável aos seus empregados. De todo modo, é imprescindível exigir atestado médico apontando a situação de risco.
Nos casos em que a gestante permanecer afastada das atividades presenciais, a Lei n.º 14.151/2021 permite, em seu art. 1º, §2º, a alteração de função por ato do empregador. A disposição em questão traduz uma exceção expressa ao art. 468 da CLT, por se tratar de possibilidade de alteração unilateral da função. No entanto, a lei exige que seja assegurado o retorno à função anterior quando do retorno ao trabalho presencial. Neste caso é importante destacar que, em caso de alteração para função com remuneração de maior valor, a empregada deve receber salário maior. Se a alteração for para função de valor menor de remuneração, o salário original deve ser mantido.
O §3º da Lei n.º 14.311/2022 possibilita ao empregador a opção em manter o exercício das atividades da empregada gestante de forma remota. Dessa forma, o retorno ao trabalho presencial não é uma obrigação, mas uma faculdade atribuída ao empregador.
As alterações promovidas pacificaram uma questão que vinha trazendo bastante nas relações de trabalho, mas ainda padece de lacunas e possíveis inconstitucionalidades. Em razão disso, o suporte de uma equipe de consultoria jurídica é imprescindível para avaliar as questões que surgirem no dia a dia a fim de elidir ao máximo possíveis riscos de um passivo trabalhista.
Por fim, finalizo com o disposto na Convenção n.º 103 da OIT, que determina que o ônus financeiro da proteção da maternidade não pode recair sobre o empregador. Medidas que trazem proteção à maternidade, mas não direcionam a responsabilidade ao Poder Público, contribuem para uma maior desigualdade em relação ao trabalho da mulher, já tão evidente no mercado. Com a vacinação em massa, o desequilíbrio antes existente passou a ser pacificado, trazendo uma maior segurança tanto para a empregada, que não precisa mais ver a gravidez como um risco, quanto para a empresa, que pode contar com aquela força de trabalho.
Artigo escrito pela advogada Rayane Carolina Pereira Florence, integrante do escritório Pazzoto, Pisciotta & Belo Sociedade de Advogados.
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