Em maio de 2021 foi publicada a Lei n.º 14.151, que determinou o afastamento das empregadas gestantes das atividades de trabalho presencial, possibilitando o exercício das funções em seu domicílio. A Lei que possui apenas dois artigos trouxe inúmeros questionamentos e continua gerando dúvidas e entendimentos equivocados sobre a continuidade da sua validade.
Em primeiro lugar é essencial esclarecer que a Lei n.º 14.151/2021 prevê apenas um requisito para que haja o afastamento do trabalho presencial, que é a condição de gestante. Passados alguns meses da entrada em vigor, surgiram especulações sobre a liberação da obrigatoriedade, caso a empregada esteja vacinada ou se ela não estiver cumprindo o isolamento em seu domicílio.
No entanto, não houve qualquer alteração legislativa e a partir do momento em que é confirmada a gravidez, a empresa deverá afastá-la das atividades presenciais, não consistindo em uma faculdade, mas sim em uma obrigação.
Em razão disso, não importa se a empregada está vacinada, se a função exercida é incompatível com trabalho remoto ou se a empregada não está cumprindo isolamento social, o texto legal não oferece abertura para interpretações, pois é taxativo.
A responsabilidade pelo pagamento da remuneração da empregada gestante foi integralmente imposta ao empregador, seja ele pessoa jurídica ou pessoa física, ainda que a empregada seja doméstica. Diante disso, nos casos em que há impossibilidade de exercício da função de forma remota, estão sendo ajuizadas ações contra o INSS para que a obrigação seja direcionada a ele mediante a antecipação da licença maternidade.
Já foram deferidas diversas liminares nesse sentido em diferentes estados. Além disso, o Projeto de Lei n.º 2.058/2021 prevê expressamente essa possibilidade e caso aprovado, irá transferir a responsabilidade do pagamento para a autarquia previdenciária.
A continuidade da condição legal imposta para o afastamento da empregada gestante também tem sido objeto de questionamento. O art. 1º da Lei n.º 14.151/2021 informa que o afastamento da gestante ocorrerá “durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus” e muitas pessoas têm confundido com “estado de calamidade pública”. De forma equivocada, alguns veículos noticiaram que ele teria se encerrado em 31/12/2021 e, por isso, em 2022 a Lei n.º 14.151/2021 perderia a validade e as gestantes deveriam retornar ao trabalho presencial.
Primeiramente é importante esclarecer que a Lei n.º 14.151/2021 não menciona “estado de calamidade pública”, mas sim “emergência de saúde pública de importância nacional”. Muito embora ambas decorram do novo coronavírus, elas não se confundem.
O estado de calamidade pública é decretado pelo Congresso Nacional e foi reconhecido pelo Decreto Legislativo n.º 6 de 2020, que determinou seus efeitos até 31/12/2020. Portanto, é incorreta a informação de que o estado de calamidade pública teria se encerrado em 31/12/2021, pois na verdade se encerrou um ano antes, diante da ausência de prorrogação.
Consequentemente, em 2021, ano em que a Lei n.º 14.151/2021 foi publicada, sequer havia estado de calamidade pública, motivo pelo qual seria impossível que a referida Lei estivesse tratando de uma situação que não estava mais em vigor.
A emergência de saúde pública de importância nacional a que se refere a Lei n.º 14.151/2021 foi declarada pela Portaria n.º 188 de 3 de fevereiro de 2020, do Ministério da Saúde e continua em vigor. Por isso, não houve qualquer alteração em relação à obrigatoriedade de afastamento da empregada gestante.
A tramitação do Projeto de Lei n.º 2.058/2021, que determina o afastamento de atividades presenciais somente das gestantes que não estiverem vacinadas, permitindo, com isso, o retorno presencial daquelas que estiverem imunizadas, também tem gerado dúvidas. A notícia de que teria sido aprovado em uma das casas do Congresso gerou muita confusão pela falta de atenção ao fato de que ainda se trata de um projeto de lei. Para que se torne uma lei, deve ser aprovado na íntegra, sancionado e publicado, o que ainda não aconteceu.
Enquanto isso, permanecem integralmente válidas as disposições previstas na Lei n.º 14.151/2021, a qual não faz qualquer ressalva para as gestantes vacinadas.
Em razão falta de previsão de pontos importantes e por ter transferido integralmente a responsabilidade ao empregador, onerando-lhe de forma considerável, o descumprimento da Lei n.º 14.151/2021 passou a ser cogitado por empresas cuja atividade não pode ser exercida de forma remota.
No entanto, a inobservância do disposto na Lei n.º 14.151/2021 sujeitará a empresa a sanções administrativas em caso de fiscalização ou denúncia, bem como a ações judiciais, caso haja contaminação de colaboradoras gestantes. Muito embora a origem do contágio seja de difícil identificação, a partir do momento em que a empresa tem a obrigação de afastar a empregada e não o faz, assume os riscos de se responsabilizar pelo adoecimento da trabalhadora.
Esse foi o entendimento do TRT da 11ª Região no bojo do processo n.º 0000126-33.2021.5.11.0018, que condenou o empregador em decorrência do óbito de uma trabalhadora grávida que não foi afastada do trabalho e contraiu covid-19. O caso aconteceu antes da publicação da Lei n.º 14.151/2021, ou seja, em momento em que não havia obrigação legal de afastamento das atividades presenciais, mas havia várias normas (decretos, recomendações e ofícios) nesse sentido. Dessa forma, a empresa assumiu o risco mantendo a trabalhadora desempenhando funções de forma presencial.
Por outro lado, o empregador comprovou que a trabalhadora também descumpriu as orientações de isolamento em sua vida social, contribuindo para o reconhecimento de culpa concorrente e minorando de forma considerável o valor da indenização a ser pago à família para R$ 44.000,00. O valor inicial da condenação havia sido fixado em R$ 365.000,00.
Caso a empregadora não tivesse comprovado a negligência por parte da trabalhadora, a condenação teria sido mantida neste patamar ou até mesmo sido majorada, já que há uma criança recém-nascida tolhida do convívio com a mãe, o que é visto com bastante gravidade pela Justiça. Por outro lado, caso a trabalhadora tivesse sido afastada das atividades, certamente o desfecho da ação judicial teria sido diverso, em razão da ausência de possibilidade de contaminação no ambiente de trabalho.
Portanto, o risco de se manter uma empregada gestante em trabalho presencial é muito elevado e pode gerar um passivo trabalhista que alcance patamares de condenação altíssimos, tendo em vista a possibilidade de sequelas e óbito que a covid-19 pode causar.
Artigo escrito pela advogada Rayane Carolina Pereira Florence, integrante do escritório Pazzoto, Pisciotta & Belo Sociedade de Advogados.
Veja todas as publicações