A prova pode ser conceituada como todo e qualquer elemento material dirigido ao Juiz com objetivo de esclarecer as questões controvertidas – especialmente de ordem fática – objeto da lide.
O Código de Processo Civil de 1973, em seu artigo 333, imputava ao autor o ônus do fato constitutivo e ao réu o ônus do fato impeditivo, modificativo e extintivo do direito invocado pelo autor. Não sendo produzida a prova tal como determinado na legislação, a sentença era proferida em desfavor daquele que não se desincumbiu do ônus que lhe cabia.
Considerando que referida disposição legal era impositiva e sem possibilidade de flexibilização, foi denominada de teoria estática do ônus da prova.
Nesse contexto, nem sempre a parte incumbida do dever probatório consegue cumpri-lo a fim de obter, com isso, a justa apreciação da demanda. A teoria estática do ônus da prova coloca em risco a busca da verdade material em caso de eventual impossibilidade de produção da prova.
Colhe-se da lição de Eduardo Cambi :
_“de nada adianta o direito, em tese, ser favorável a alguém se não consegue demonstrar que se encontra em uma situação fática que permite a incidência da regra jurídica (geral e abstrata)”. _
No entanto, com o advento do Código de Ritos em 2015, a sistemática da distribuição da prova sofreu sensível modificação, admitindo-se a distribuição dinâmica do ônus da prova.
Assim, a produção das provas no processo civil admite maior flexibilização, sendo possível, de acordo com a decisão fundamentada do Juiz que preside o processo ou em decorrência de previsão legal (v. ex. art. 6, VIII, CDC), a redistribuição do encargo à parte que possui mais facilidade em produzi-la.
Não se descura do fato de que ao autor ainda compete o ônus de provar o fato constitutivo de seu direito (art. 373, I, CPC) e, ao réu, o fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor (art. 373, II do CPC), permanecendo como regra geral.
Art. 373. O ônus da prova incumbe: I - ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito; II - ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.
A questão da produção da prova tem relevante, ou melhor, determinante impacto no julgamento do processo, eis que não basta apenas a exposição do direito, mas a comprovação dele para que seja proferido o pronunciamento judicial adequado à finalidade da justiça como elemento voltado à pacificação social. Nesse sentido, a questão do ônus da prova encerra em si regra de procedimento bem como regra de julgamento.
Interessante, a esse respeito, a lição de Cássio Scarpinella Bueno :
“As disposições gerais tratam também do ônus da prova, que merece ser compreendida de forma dupla: primeiro, como regra dirigida às partes no sentido de estabelecer a elas como devem se comportar no processo acerca da produção da prova a respeito de suas alegações (que, em rigor, é o objeto do art. 373 aqui estudado). Segundo, como regra dirigida ao magistrado, no sentido de permitir a ele, no julgamento a ser proferido, verificar em que medida as partes desincumbiram-se adequadamente de seu ônus quando ainda não tenha se convencido acerca das alegações de fato relevantes para a prática daquele ato, em caráter verdadeiramente subsidiário, portanto, para vedar o non liquet. Nessa segunda acepção, o ônus da prova deve ser tratado como regra de julgamento; na primeira, como regra de procedimento.”
Com a inclusão do parágrafo 1º do artigo 373 do CPC, a regra que antes mantinha-se estática, tornou-se passível de flexibilização, desde que decorra de expressa previsão legal ou de decisão fundamentada, oportunizando-se à parte desincumbir-se do ônus que lhe era atribuído.
§ 1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
Registre-se que a adoção da teoria dinâmica do ônus da prova é regra excepcional e não pode imputar à outra parte ônus excessivo, como prevê o parágrafo 2º do artigo 373.
§ 2º A decisão prevista no § 1º deste artigo não pode gerar situação em que a desincumbência do encargo pela parte seja impossível ou excessivamente difícil.
Nas lições de Luiz Guilherme Marinoni, Sergio Cruz Arenhart e Daniel Mitidiero, acerca desse tema:
“A própria norma contida no art. 373, caput, não precisaria estar expressamente prevista, pois decorre do bom senso ou do interesse na aplicação da norma de direito material, que requer a presença de certos pressupostos de fato, alguns de interesse daquele que postula a sua atuação e outros daquele que não deseja vê-la efetivada (...) Da mesma forma que a regra do ônus da prova decorre do direito material, algumas situações específicas exigem o seu tratamento diferenciado. Isso pela simples razão de que as situações de direito material não são uniformes.”
Observa-se que o comando valorativo ínsito à disposição contida na teoria dinâmica se alinha aos princípios da cooperação, boa-fé, lealdade processual e sobretudo da igualdade substancial, a fim de direcionar o maior encargo probatório àquele que mais condição e aptidão possui para obter as provas necessárias ao deslinde da lide.
Isso porque a prova não é das partes, mas se destina ao Juízo, que de posse dos esclarecimentos trazidos a seu conhecimento nos autos, consegue aplicar corretamente a norma jurídica e resolver o impasse instaurado, visando a pacificação social.
A teoria dinâmica da distribuição do ônus da prova tem lugar quando a parte cujo ônus competia está impossibilitada ou encontra excessiva dificuldade de cumpri-la.
Mostra-se viável também quando a outra parte dispõe de maior facilidade de demonstrar o fato contrário.
Não se confunde a distribuição dinâmica do ônus da prova com a inversão do ônus probatório previsto no art. 6, VIII, da Lei n.º 8.078/90.
Enquanto a distribuição dinâmica é método de atribuição do ônus probatório, impondo a uma das partes a prova de determinado fato, a inversão do ônus da prova é medida posterior à atribuição do ônus, o que significa que o ônus é de determinada parte, mas por questões específicas do relacionamento entre essas partes, há possibilidade de que o ônus seja transferido ao réu no processo, ainda que acerca de questões que a rigor poderiam ser consideradas constitutivas do direito.
Assim, verifica-se que nova tendência do processo civil é que ele seja encarado como um efetivo mecanismo produtor da ordem justa, rompendo com os preconceitos e formalismos exacerbados a fim de que o processo justo conceda a tutela jurisdicional com base no direito material.
Artigo escrito pela advogada Daniele Caroline Vieira Lemos de Souza, integrante do escritório Pazzoto, Pisciotta & Belo Sociedade de Advogados.
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