A responsabilidade solidária das plataformas digitais na reforma tributária

Com a promulgação da Lei Complementar nº 214/2025, que regulamenta a nova sistemática do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), o ordenamento jurídico brasileiro trouxe mudanças relevantes na definição dos sujeitos passivos da obrigação tributária. A norma introduz um novo paradigma ao conferir um papel central às plataformas digitais no cumprimento e fiscalização tributária, transformando-as em responsáveis solidárias por tributos incidentes sobre as operações que intermedeiam.

I. Contribuintes e Responsáveis: Conceitos e Abrangência

Nos termos da nova legislação, os sujeitos passivos da obrigação tributária são classificados como contribuintes e responsáveis, a depender de sua atuação na relação jurídico-tributária. O contribuinte é aquele que realiza diretamente o fato gerador do tributo, enquanto o responsável é um terceiro definido em lei que, mesmo sem praticar o fato imponível, assume a obrigação tributária em determinadas hipóteses.

De acordo com o artigo 21 da Lei Complementar nº 214/2025, são considerados contribuintes do IBS e da CBS:

• Os fornecedores habituais ou profissionais de bens ou serviços, inclusive atuando informalmente, desde que inseridos em uma cadeia econômica onerosa;

• Os importadores, inclusive pessoas físicas;

• Os adquirentes em leilões ou licitações públicas.

II. O Papel das Plataformas Digitais: Responsabilidade Solidária e Fiscalização

A Lei reconhece a atuação das plataformas digitais como um novo eixo de responsabilidade tributária. São consideradas plataformas digitais aquelas que intermedeiam operações não presenciais ou eletrônicas entre fornecedores e adquirentes, exercendo controle sobre elementos essenciais da transação, como:

·  Cobrança;

·  Pagamento;

·  Entrega;

·  Definição de termos e condições comerciais.

Excluem-se do conceito de plataforma digital:

·  Serviços de provimento de acesso à internet;

·  Instituições de pagamento autorizadas pelo Banco Central;

·  Plataformas de publicidade;

·  Sites de busca e comparação de preços que não possuam remuneração atrelada à realização das vendas.

Essas plataformas, inclusive as domiciliadas no exterior, podem ser solidariamente responsáveis pelo recolhimento do IBS e da CBS nas operações que intermediam, sobretudo nos seguintes casos:

·  Quando o fornecedor for residente no exterior;

·  Quando o fornecedor não emitir documento fiscal eletrônico.

A responsabilidade se concretiza especialmente quando a plataforma deixa de fornecer informações exigidas ao Comitê Gestor do IBS ou à Receita Federal. Dessa forma, a legislação transfere, de maneira objetiva, parte da atividade fiscalizatória ao setor privado, atribuindo às plataformas um papel ativo no controle das operações. Embora esse modelo possa parecer oneroso ou até injusto para os operadores do mercado digital, do ponto de vista do fisco, ele se mostra mais eficiente e eficaz, diante da capacidade tecnológica das plataformas em centralizar dados e controlar fluxos financeiros.

Para afastar essa responsabilização, a plataforma deve cumprir com as obrigações acessórias, fornecendo informações completas sobre a operação e seus participantes à Receita Federal e ao Comitê Gestor do IBS. Isso inclui, quando aplicável, a identificação do fornecedor, mesmo que este não esteja inscrito como contribuinte.

Além disso, iniciar o pagamento na própria plataforma exige a prestação das informações necessárias para a operacionalização do split payment, inclusive no modelo simplificado.

III. O Split Payment como Mecanismo de Arrecadação

Uma das grandes inovações trazidas pela Reforma Tributária é a implementação do split payment, um modelo em que a instituição financeira separa automaticamente os valores pagos pelo adquirente:

·   Parte destinada ao fornecedor;

·   Parte correspondente ao IBS e à CBS, recolhida diretamente aos entes tributantes.

Esse modelo tem como objetivo facilitar a arrecadação tributária, reduzir a inadimplência e combater fraudes. No entanto, os valores recolhidos via split payment não são definitivos. Durante a apuração mensal, os débitos são recalculados com base nas alíquotas efetivamente aplicáveis, o que pode resultar na geração de créditos tributários.

Em operações com consumidores finais não inscritos no regime regular de IBS/CBS – consumidor final, as plataformas podem utilizar o procedimento simplificado de split payment, o que lhes confere maior flexibilidade operacional, especialmente considerando que grandes plataformas frequentemente operam seus próprios sistemas de pagamento

IV. Local do Fato Gerador

Outro ponto relevante da nova legislação é a redefinição do local do fato gerador. Enquanto o sistema anterior considerava o local da prestação ou operação, o novo modelo adota como referência o local do consumo final. Quando este não for identificável, aplicam-se critérios subsidiários:

· O destino final informado pelo adquirente ao fornecedor, quando o transporte for por conta do fornecedor;
· O destino informado ao transportador, quando o transporte for de responsabilidade do adquirente.

A observância ao local de destino se torna crucial, pois a alíquota do IBS será formada pela soma das alíquotas estaduais e municipais. Esse modelo busca promover maior equidade federativa e combater a guerra fiscal, ao garantir que os recursos arrecadados sejam destinados ao ente federado onde efetivamente ocorreu o consumo.

V. Conclusão: A Nova Responsabilidade das Plataformas

Diante do novo cenário instituído pela Lei Complementar nº 214/2025, as plataformas digitais deixam de ser meras intermediárias e passam a ocupar posição estratégica na estrutura de arrecadação tributária brasileira. Sua atuação, agora vinculada ao cumprimento de obrigações acessórias rigorosas e à identificação precisa dos participantes da operação, torna-se essencial para garantir transparência fiscal e ampla fiscalização tributária.

A correta adequação dos processos internos as novas responsabilidades são indispensáveis para mitigar riscos e evitar possíveis autuações. Assim, as plataformas que desejam operar com segurança no novo ambiente normativo devem revisar suas estruturas contratuais, tecnológicas e operacionais, adequando-se às exigências da nova realidade tributária.

Artigo escrito pela advogada Ana Laura Faria Rodrigues, integrante do escritório Pazzoto, Pisciotta & Belo Advogados.

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