As negociações imobiliárias brasileiras demandam uma liturgia própria que, por vezes, passam despercebidas por aqueles que não estão habituados à tal procedimento.

A legislação vigente determina que imóveis, cujo valor ultrapasse trinta salários mínimos sejam transmitidos mediante escritura pública confeccionada junto ao Cartório de Notas ou documento equivalente – como ocorre nos casos de financiamento bancário, em que o contrato particular confeccionado pela instituição bancária possui força de escritura pública – devidamente registrada na matrícula imobiliária, tudo nos termos dos artigos 108 e 1.227 ambos do Código Civil, que assim prescrevem:

_Art. 108. Não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País.

Art. 1.227. Os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código._

Pela leitura dos artigos acima descritos concluímos que a transação de bens imóveis somente estará perfeitamente acabada quando do registro do atestado público da negociação junto a matrícula do imóvel. De sorte que, até o registro na matrícula, toda e qualquer transmissão do imóvel permanece como uma mera expectativa do direito.

Aqui cabe destacar que o intuito de tal norma cinge-se, principalmente, em outorgar aos entes confeccionadores do instrumento público ou com força de escritura pública (Cartórios e Instituições Bancárias) a responsabilidade em fiscalizar o recolhimento dos impostos concernentes à transmissão da propriedade, bem como atestar inequivocadamente a vontade exarada pelas partes, e, por fim, tornar pública a transação realizada.

Todavia, por vezes, entendemos ser suficiente à conclusão de determinada negociação imobiliária a simples confecção de instrumento particular de venda e compra ou mesmo a elaboração de escritura pública de venda e compra, sem o imprescindível registro na matrícula imobiliária.

Tal pensamento encontra-se seriamente equivocado, ressalta-se.

Sem o devido registro do instrumento confeccionado e validado pelo competente ente, junto à matrícula imobiliária, entende-se pela ausência de concessão da publicidade necessária à negociação imobiliária, item fundamental à conclusão da transação do imóvel.

Em se tratando de bens com alto valor econômico, o legislador entendeu pela necessidade de exigir o procedimento específico para conferir publicidade à informação de que houve a tradição do bem à terceiros, tudo para evitar fraudes contra credores ou fraude às execuções, visto que a ausência de transmissão ou a transmissão de bens com o intuito de esvair o patrimônio acabam por impedir a satisfação dos débitos por eventuais credores.

Ainda assim, não raras são as vezes que nos deparamos com imóveis sendo transacionados sem o cumprimento da regra mencionada. Fato que provoca inúmeros dissabores aos novos e antigos proprietários.

Isso porque, sem a concessão da publicidade mediante registro na matrícula imobiliária, o bem permanece declarado publicamente como patrimônio do antigo proprietário, podendo ser alvo de execução judicial forçada para adimplemento de dívidas por ele angariadas.

Logo, rotineiramente vislumbramos mandados de penhora, determinações de indisponibilidade de bens ou outros atos de constrição do imóvel que demandam a necessidade de intervenção judicial pelo novo proprietário, a fim de demonstrar alteração de titularidade sobre o imóvel, procedimento denominado “Embargos de Terceiro”.

Note-se que diversos dos tribunais nacionais entendem que cabe ao novo proprietário a regularização dos imóveis adquiridos, independente do título, de modo que, ainda que vencedores nas ações para demonstração de que o bem compõe seu patrimônio, são condenados ao pagamento de honorários à parte contrária, visto que violaram o dever de diligência.

Nesta linha, destacamos um julgado recente proferido pelo Tribunal do Estado de São Paulo. Observe:

Apelação. Embargos de terceiro. Sentença de procedência. Recurso da embargada apenas quanto às verbas sucumbenciais. Penhora que recaiu sobre bem transmitido a terceiro, por negócio jurídico não registrado na matrícula do imóvel. Súmula nº 303 do C. STJ. Omissão da embargante que deu causa à constrição sobre o imóvel, pelo que deve suportar as despesas processuais e os honorários. Princípio da causalidade. Recurso provido. (TJ-SP - AC: 10147182920198260451 SP 1014718-29.2019.8.26.0451, Relator: Walter Exner, Data de Julgamento: 24/06/2021, 36ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/06/2021).

Não obstante, ainda temos que o ato registral é o marco temporal do pagamento de impostos concernentes a negociação imobiliária, como o ITBI, em caso de transmissão onerosa, ou ITCMD, nas hipóteses de doação ou transmissão decorrente do falecimento do proprietário.

Assim, a não realização do ato no momento oportuno implicará em acréscimo de juros e multas decorrentes dos mencionados impostos, onerando, ainda mais, a tradição imobiliária.

Nesta linha de intelecção, não restam dúvidas de que às negociações imobiliárias demandam o acompanhamento de profissionais capacitados, ante aos notórios prejuízos futuros que a transação equivocada ou incompleta pode provocar aos adquirentes.

Artigo escrito pela advogada Maria Eugênia de Oliveira Arruda, integrante do escritório Pazzoto, Pisciotta & Belo Advogados.

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