A sobrevivência de uma empresa, atuante em um determinado setor econômico, não depende tão somente do grau de eficiência de sua gestão. Outros fatores externos influenciam diretamente no ramo de negócio desenvolvido, tais como: a dificuldade na obtenção de créditos em instituições financeiras, a retração do mercado nacional, alta de juros, dos insumos empregados na industrialização, a concorrência desleal, dentre outros, tornando-se causas determinantes do sucesso ou malogro da atividade empresarial.

Durante esse período turbulento, muitas empresas que se revelam economicamente viáveis, buscam fôlego através do processo de recuperação judicial, previsto na Lei nº 11.101/2005, que tem por finalidade _“viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica ”. _

Paralelamente, muitas vezes no curso dessa “tempestade”, caracterizada pela notória dificuldade da empresa em honrar seus compromissos, muitos empregados, atingidos pelo inadimplemento dos seus direitos contratuais, ingressam na Justiça do Trabalho buscando a satisfação de seus créditos.

No entanto, após a regular apuração dos valores devidos a um determinado reclamante e decorrido o prazo estabelecido para o seu pagamento, a pergunta que fica é: a Justiça do Trabalho pode dar prosseguimento à execução de créditos trabalhistas contra as empresas em recuperação judicial e seus sócios, pessoas físicas?

A primeira parte da pergunta tem resposta fácil. O Supremo Tribunal Federal, mais alta corte constitucional do país, já consolidou o entendimento de que a Justiça do Trabalho é incompetente, ou seja, não pode “levar a efeito atos de execução em face de empresa em recuperação judicial”, ainda que ultrapassado o prazo de 180 dias de suspensão previsto no art. 6º, §4º, da Lei nº 11.101/05, nos termos do Recurso Extraordinário nº 583.955-9/RJ.

Nessa situação, a Justiça do Trabalho deverá certificar a existência de crédito em prol do reclamante, cabendo a este habilitá-lo no quadro geral de credores da empresa no processo de recuperação judicial. Referido procedimento constituí garantia de tratamento igualitário entre todos os credores, concentrando os atos de pagamento e de expropriação de bens em um único Juízo, observando a natureza e a ordem de constituição de cada título apresentado e evitando decisões controversas sobre o mesmo tema, sempre com vistas à preservação dos bens da empresa e à viabilização de sua superação econômica.

Já a segunda parte da pergunta, sobre a possibilidade da Justiça do Trabalho dar continuidade à execução trabalhista em face dos sócios das empresas em recuperação judicial, a resposta é mais complicada.

Muito embora ainda não exista uma definição por parte do Poder Judiciário, a tese que defendo e que está, cada vez mais, sendo acatada pelos tribunais brasileiros, em especial pelos Tribunais Regionais do Trabalho da 15ª Região (interior de São Paulo), da 03ª Região (Minas Gerais) e da 09º Região (Paraná), é a de que apenas o juízo universal, ou seja, o juízo onde se processa a recuperação judicial, é o competente para decidir sobre eventual desconsideração da personalidade jurídica dessa empresas e consequente prosseguimento das execuções, inclusive trabalhistas, contra o patrimônio dos sócios, por analogia ao art. 82 da Lei nº 11.101/05:

“Art. 82. A responsabilidade pessoal dos sócios de responsabilidade limitada, dos controladores e dos administradores da sociedade falida, estabelecida nas respectivas leis, será apurada no próprio juízo da falência, independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, observado o procedimento ordinário previsto no Código de Processo Civil. [...]”

Assim, havendo previsão específica na Lei nº 11.101/05 sobre a possibilidade de responsabilização ou não dos sócios das empresas falidas e, por conseguinte, das empresas em recuperação judicial, não cabe à Justiça Trabalhista decidir sobre a matéria e expropriar, por ela própria, bens dos sócios, até mesmo porque existe a possibilidade desses bens já se encontrarem inseridos no plano de recuperação como forma de garantia para cumprimento do plano de recuperação judicial, podendo haver, portanto, prejuízos aos demais credores.

Diante do exposto, concluo que a competência da Justiça do Trabalho está limitada à apuração do crédito trabalhista, não podendo dar prosseguimento à execução desse crédito quer seja em face da empresa em recuperação judicial ou em face de seus sócios, cuja competência é exclusiva do juízo universal. Somente na hipótese de encerramento do processo de recuperação judicial, sem que o crédito trabalhista habilitado tenha sido satisfeito, é que a Justiça do Trabalho poderá retomar a execução.

Artigo escrito pelo advogado Mauricio Augusto Sapata Martins, ex-integrante do escritório Pazzoto, Pisciotta & Belo Sociedade de Advogados.

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